domingo, 28 de janeiro de 2018

Bakô - a outra margem.

Bakô – A outra margem.


Visitei São Paulo naquilo que chamo de condição especial de espectador privilegiado, em uma concepção quase grotowskiana para atuar como iluminador em uma das coreografias apresentadas durante a mostra de 2013 do Rumos da Dança organizada pelo Itaú Cultural desde 2000 e assistir as que pudesse.

Tendo trabalhado com alguns coreógrafos de vanguarda, como Regina Miranda, Marcela Levi, Helena Vieira entre outros, fui pronto para assistir a vanguarda da dança. Coincidentemente, em uma matéria sobre os quarenta anos dos Dzi Croquetes, Ciro Barcelos, um dos dzis jocosamente fala na retaguarda da dança. Na verdade tal comentário, contrapondo vanguarda ou não nos leva ao ponto central da discussão aqui proposta.

Ao entrar no espaço do Itaú Cultural fui levado a conhecer o teatro onde seria realizada a apresentação a qual estava ligado – Com o máximo de silêncio pois dentro ocorria um ensaio – o espaço estava sendo ocupado pela apresentação da noite, e seus ajuste de cenografia, som e luz.

No palco, uma desconhecida para mim, movia-se com a leveza e firmeza de um sem numero de orixás. Nossa tradição branca, europeia e cristã nos priva de um conhecimento tão fundamental de nossas raízes como nação. Independente de ser branco, europeizado e de tradição cristã.

Sobre este aspecto, Bakô – A outra margem é exatamente isso; o outro lado de nós, e não apenas o lado de lá daquele rio de sal chamado atlântico. Esse é o enfrentamento de tradições que nos completa como nação. Dentro de um festival de uma tradição branca europeia que é a dança, e mais ainda do hemisfério norte, a dança contemporânea, com seus Nijinskis, Cunninghams e Bausches, entrar em uma sala e nela encontrar Oyá levantando vento é uma feliz surpresa.

E novamente a lembrança de Barcelos vem a mente. Retaguarda. Aquilo que é base, que nos sustenta. Não existe um movimento novo ou posição que o corpo não tenha encontrado e ocupado no espaço nesses poucos milhões de anos da história hominídea. Os paradigmas quebrados pela dança contemporânea em relação àquela de tradição verticalizada e europeia, não cria espaços ainda não penetrados pelo corpo em novos movimentos, mas altera radicalmente o vocabulário e esquemas anteriormente utilizados. Dessa forma a dança contemporânea se impõe como mudança de linguagem, de forma mas com conteúdos antes banais que agora invadem uma cena antes aristocrática.

A contemporaneidade proposta por Bakô reside não apenas no enfrentamento de tradições, mas no resgate e valorização do maior grupo étnico existente no Brasil. 

Axé, Luciene Ramos. Que seu Bakô seja a ponte que acabe com margens e lados.

Joana

Joana


O dia de hoje está interessante. Com visões, revelações e aviões que passam sobre minha cabeça. Entro em um ônibus, logo depois entra dona Joana. Passa a roleta e senta. Olho seus cabelos brancos, penso coisas... 

E ela fala comigo: _Hoje vou comemorar com uma feijoada. 
Respondo: _Faz muito bem.

_Colesterol normal, tudo bem… então eu posso.

E numa curiosidade incrível pergunto; _Quantos anos a senhora tem?

E com o ruído do trânsito abafando nem escuto: 106.

Como?

106.

Conversamos animadamente sobre a vida em 106 anos, sobre livros e projetos para o futuro. Dela.

Antes de sair pergunto se posso tirar uma foto. Me despeço e desço. Sigo na vida pensando em comer uma feijoada.